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CORPOS TRANSEXUAIS

A população trans segue na luta pelos direitos de todos os membros da comunidade LGBT. Em Stonewall, elas foram as maiores percussoras. Em Pernambuco e no Brasil, o cenário não é diferente. ​

Transexualidade no Brasil e no mundo

“Travesti e respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos. Em casa. Na boate. Na escola. No trabalho. Na vida”. Este foi o tema da primeira campanha nacional, realizada em 2004 por 27 pessoas trans no salão do Congresso Nacional, e o ponto de partida na busca pela igualdade, visibilidade e respeito para a população trans. A data, 29 de janeiro, foi um marco onde institui-se o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Desde então, entidades e grupos ativistas reivindicam o direito ao exercício cidadão, o enfrentamento por direitos e a superação da violência e discriminação à pessoas transexuais – indivíduos que percebem ser de um gênero diferente ao que lhes foi atribuído em seu nascimento.

Segundo levantamento da ONG Transgender Europe (TGEU), entre 1º de outubro de 2017 e 30 de setembro de 2018, 167 transexuais foram mortos no Brasil. Este dado coloca o país na primeira colocação do ranking de assassinatos a transexuais no mundo. Além disso, o grupo Transrevolução (RJ), criado em 2009 com o objetivo de discutir a questão Trans no Brasil, revelou, em uma pesquisa, que a expectativa de vida de uma travesti ou transexual é de aproximadamente 30 anos. Em contrapartida, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a expectativa de vida da população em geral é 74,6 anos, em média. Isto significa que antes de um travesti ou transexual completar a metade da idade que é estimada para a população brasileira, ele tem a sua vida ceifada em razão da violência.

Um outro dado importante, ainda divulgado pelo mesmo grupo, revela a escassez de postos de trabalho formais para este segmento da população. O preconceito, ainda fortemente enraizado na sociedade, foi apontado como um dos principais propulsores para que essa parcela de cidadãos não consiga acessar melhores condições de trabalho. Diante desse cenário, estima-se que 90% das pessoas transexuais acabam ocupando postos de trabalho informais, nos quais o acesso a direitos trabalhistas e a seguridade social é nulo. Como consequência, grande parte dessas pessoas acabam vendo como a única saída o envolvimento com a prostituição.  

Jarda Araújo, mulher trans e estudante de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) destaca que atualmente a maior necessidade para a comunidade trans é ter assegurada a garantia de existência. 

"A gente sempre dialoga sobre isso. Para alguns outros segmentos da comunidade LGBT há conquistas como o direito ao casamento, a adoção, a formação de família, mas estamos antecedendo isso. A gente quer o direito à sobrevivência. Primeiro a gente precisa sobreviver para depois podermos nos inserir na luta por esses outros espaços, relata Jarda."

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O acesso à educação é parte fundamental no processo de conquista da  autonomia e representa a possibilidade desse grupo modificar a trajetória de vida. “Uma educação digna faz com que a gente consiga entrar na Universidade, como foi o meu caso. Mas, ainda assim, tive que passar todo o Ensino Médio sem externar a minha identidade de gênero. Só depois que saí da escola pude de fato me afirmar e me expressar da forma que eu queria. Mas, provavelmente se não  tivesse feito isso na escola acredito que nem teria concluído o Ensino Fundamental e o Médio”, desabafa a estudante.

A história de Jarda liga o alerta para a importância de se assegurar espaços dessa população não só na Universidade, mas principalmente nas unidades de ensino básico. Promover a permanência desse público nas Instituições também é um desafio a ser superado. “Muitas travestis e transexuais acabam desistindo, e as poucas que conseguem entrar na Universidade encontram dificuldades para manter os estudos. Acredito que uma das alternativas seria oferecer bolsas-auxílio”, complementa.

Políticas Públicas para a população T

As políticas públicas, importante ferramenta de manutenção e garantia de direitos da sociedade civil, contribuem para a redução das desigualdades por meio de implantação de ações e programas que atendem as necessidades de determinados grupos sociais, como por exemplo a população trans. De acordo com pesquisa realizada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a cada 48 horas uma pessoa trans é assassinada no Brasil. O levantamento contabilizou 179 assassinatos de travestis ou transexuais em 2017. A falta de legislação torna as pessoas transgêneras mais vulneráveis. Consequentemente, as políticas públicas de assistência também são escassas.

Das iniciativas nacionais que assistem a população trans, o Supremo Tribunal Federal determinou, em março de 2018, que transgêneros podem alterar em cartório o nome e o registro de sexo no registro civil. Além disso, há também uma portaria que determina a oferta, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), do processo transexualizador (conjunto de procedimentos para adequar o corpo à identidade de gênero).

Uma matéria publicada em 19 de agosto de 2018 pelo portal de notícias da Globo, o G1, mostrou, através de um levantamento realizado por meio da Lei de Acesso à Informação, que 10 anos após essa portaria do Ministério da Saúde ter autorizado a realização do processo transexualizador, em 2008, apenas 474 procedimentos cirúrgicos dessa natureza haviam sido feitos. Ainda na matéria, médicos contam que as equipes de profissionais e Instituições de saúde autorizadas para a realização destes procedimentos são insuficientes para expandir a quantidade de cirurgias feitas. Em razão disto, em média, apenas uma ou duas cirurgias são realizadas a cada mês.

Mas, para o paciente realizar a transição de sexo há um longo caminho a ser percorrido. A terapia hormonal e o acompanhamento multidisciplinar, que engloba profissionais da área de psiquiatria, endocrinologia, enfermagem, mastologistas, ginecologistas, urologistas, cirurgiões plásticos, assistentes sociais, psicólogos e sexólogos, fazem parte dessa trajetória que dura, em média, dois anos. No Brasil,  apenas cinco hospitais, ligados à Universidades, estão habilitados pelo Ministério a fazer essa cirurgia. Eles ficam nos estados do Rio de janeiro, São Paulo, Pernambuco, Goiás e Rio Grande do Sul. Aqui no Estado, os atendimentos são realizados no Hospital das Clínicas, localizado na Zona Oeste do Recife, e desde outubro de 2014, quando recebeu o credenciamento do Ministério da Saúde, se tornou uma das referências no Brasil.

Recentemente, a criminalização da LGBTfobia foi aprovada no Supremo Tribunal Federal (STF), tornando crimes a calúnia e difamação, lesão corporal ou homicídio, cometidos por causa da orientação sexual ou identidade de gênero da vítima. A criminalização foi enquadrada na Lei de Racismo, já que ainda não existe no Brasil qualquer legislação que ampare crimes motivados pela orientação sexual.

Cenário em Pernambuco

Em Pernambuco, apesar da pouca presença de políticas públicas para a público trans e para a comunidade LGBT em geral, o Governo do Estado vem tentado mudar esse cenário. Prova disso foi a criação, em 2013, do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT, órgão  ligado à Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude (SDSCJ), localizada no bairro de Santo Antônio. Composta por 20 representantes de grupos que atuam na defesa de direitos do público LGBT e outros 20 membros das secretarias estaduais, sendo ambos divididos em 10 titulares e 10 suplentes, o objetivo do Conselho é criar um campo de diálogos permanentes entre a sociedade civil e o Governo de Pernambuco.

 

Outra iniciativa da gestão pernambucana é a criação do Centro Estadual de Combate à Homofobia (CECH), braço da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, que fica no bairro do Recife. Com foco na apuração dos casos de violência contra a população LGBT, o Centro visa promover ações que mudem o quadro de agressões no estado. Dados do órgão mostram que, entre janeiro e abril de 2019, foram contabilizados 60 denúncias de violência intrafamiliar, que ocorre quando a vítima é violentada por uma pessoa da mesma família.

 

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) é mais um que vem monitorando a execução das políticas públicas para o público trans, exigindo melhorias. Como revela o promotor de justiça Maxwell Vignoli, “um exemplo dessa atuação é a importância de fluxos de atendimento entre as unidades da assistência social e a segurança, os quais proporcionam melhor desempenho para coibir o ciclo de violência. Outro exemplo é melhoria do atendimento às pessoas LGBTs  nas unidades policiais”. Contudo, ele concorda que as políticas públicas existentes ainda não são suficientes para suprir as necessidades da comunidade.

 

A gestão municipal também anda atuando na redução da violência contra a população LGBT. O Centro de Referência em Cidadania LGBT do Recife, criado há 4 anos e localizado no bairro da Boa Vista, é uma iniciativa pioneira no estado e na região Nordeste do país. Visando atender as vítimas de agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual ou identidade de gênero, o Centro conta com serviços de atendimento jurídico, psicológico e assistencial. Antes de sua existência, a motivação da violência sofrida por essa parcela da população não entrava para as estatísticas do Estado e/ou do município como homofobia.

De acordo com o Agente de Direitos Humanos Tom Araújo, a questão da representatividade é importante para o acolhimento no Centro.“O usuário precisa ser atendido pela pessoa que também faz parte de sua luta, de sua causa. Então existe o corpo técnico, que é indiferente no que diz respeito à identidade de gênero e orientação sexual, vem a gente de direitos humanos, com a receptividade ou de gay ou de lésbica, vem a recepcionista, com a representatividade trans, e assim a representatividade também tem um espaço importante aqui no serviço”, defende. Desde sua criação até hoje, o Centro de Referência em Cidadania LGBT já atendeu entre 5 e 6 mil pessoas.

 

Apesar de ser um avanço na tentativa de combate à violência contra LGBTs, o Centro de Referência em Cidadania LGBT do Recife acolhe exclusivamente vítimas que residem na capital. Se a pessoa é de outra cidade, ela é encaminhada para o Centro estadual. “Essa é uma forma da gente pressionar outras cidades a se preocuparem com o usuário e com a população LGBT que nelas existem. Quando mandamos para o Centro estadual, o usuário é encaminhado para o município onde reside, que o envia para a rede de assistência”, revela Tom Araújo.

 

O Centro municipal também trabalha com parcerias institucionais, contando com o apoio da Secretaria de Educação, Secretaria da Saúde, Secretaria do Trabalho, organizações não-governamentais e movimentos sociais. Essa rede de apoio também promove ideias e atividades em prol da população LGBT, como o Bazar Solidário e o Bazar Trans, sendo este último voltado para a população T.

 

As casas de acolhida, parceiras da prefeitura, além de receber pessoas em situação de rua, também atendem a população LGBT. “Quando o usuário vem para cá, a gente dialoga com o Centro popular, que faz triagem e encaminha para a casa de acolhida. Para a população trans, é respeitado a condição de identidade de gênero dela. Muitos usuários trans e travestis são acolhidos nas casas femininas, e os homens trans são acolhidos nas masculinas”, conta Tom Araújo. O agente de Direitos Humanos também informa que já existe a proposta de fazer de uma petição para que o Estado crie uma casa para a população LGBT. A demanda será levada para a gestão estadual e para o Ministério Público de Pernambuco.

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Desde sua criação até hoje, o Centro de Referência em Cidadania LGBT  já atendeu entre 5 e 6 mil pessoas.

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